Artigo escrito por Vilma Piedade*
No primeiro semestre de 2022, nosso país bateu um triste recorde de feminicídios. Segundo dados publicados pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entre janeiro e junho, 699 casos foram registrados, representando uma média de quatro mulheres mortas por dia. Já em 2019, no mesmo período, foram notificadas 631 ocorrências. Após dois anos, ou seja, em 2021, 677 mulheres foram assassinadas em decorrência da violência de gênero. Esses dados foram extraídos por meio das secretarias estaduais de Segurança Pública e apontam apenas os crimes que chegaram a ser registrados. Os números acompanham a promulgação da Lei do Feminicídio (13.104/2015), que considera o assassinato que envolve violência doméstica e familiar, menosprezo ou discriminação à condição de mulher. Mediante a essa triste estatística/realidade, precisamos falar e muito sobre “Dororidade”, não só em março, durante o mês das mulheres, mas durante o ano inteiro. Afinal, o que significa tal conceito?
Costumo dizer que “criar conceito também é coisa de Mulher”. Sou da área de Letras/ Literatura e quando criei o conceito Dororidade também elaborei uma palavra nova. E como estamos no mundo virtual, quando se escrevia Dororidade, o google, imediatamente, corrigia por Sororidade. Em Dororidade, falo “da dor e nem sempre delícia de se sentir quem é, quem somos” é um não ser, sendo, resultado do Racismo que nega nossas identidades e tira nossa dignidade. Sendo assim, Dororidade na minha leitura une todas as Mulheres de todas as Raças Etnias. A dor provocada pelo Machismo, une, infelizmente, todas nós.
Basta analisar os números acima que comprovamos facilmente o aumento do Feminicídio, mas Dororidade vai além “pra além do Machismo”. Nós, Mulheres Jovens Pretas, temos uma dor a mais. A dor provocada pelo Racismo. Essa dor só nós sentimos, identificamos e é marcada pela cor da nossa pele. E quanto mais Preta, mais Racismo. Ele acontece no cotidiano, se dá em qualquer hora e lugar. Seja na vida particular, na rua, no trabalho e na escola. E por aí vai. Enfim, precisamos transformar essa dor em potência por meio da Arte do Empreendedorismo, da Educação, da escrita/literatura, e da música.
Dororidade tem a ver com as Mulheres e Jovens Negras. É um conceito Feminista que veio para dialogar com a Sororidade. Todo conceito é um conjunto de ideias. Ele é sempre circular. Gênero, raça e classe fazem parte da Interseccionalidade conceituada e estudada nos EUA por Angela Davis. Já aqui no Brasil, Lélia Gonzalez se debruçou sobre esse tema no final dos anos 70. Ela dizia como se faz para discutir e lutar contra o Racismo em pleno século XXI?
Dororidade fala de nosso silêncio histórico, da nossa Ancestralidade, dos agravos da escravidão, que até hoje ainda nos coloca como a “carne mais barata do mercado”. Afinal, fomos a única raça a ser vendida. Nossos corpos eram vendidos, expostos como uma mercadoria. E Dororidade fala disso, da Dor é de quem sente. Dor dói e ponto final. Mas, a nossa dor tem cor? A resposta é sim, ela é preta. O conceito Dororidade creceu e deu frutos. Atualmente, temos Dororidade Jurídica, Dororidade Capilar, Dororidades, Gordoridade. Basta olhar, está lá no Instagram/Grupos, está também no Google, além de teses de Mestrado, Doutorado e Trabalho de Conclusão de Cursos (TCCs). Enfim, é desse jeito. A fila andou. Andou tanto que o meu livro intitulado Dororidade já está traduzido em Espanhol e foi lançado na Argentina em 2020.
Em março de 2023, fui convidada para fazer parte da série Brilhantes, iniciativa do Instituto Yduqs e Estácio, que prevê cinco temporadas, separadas por temas, com 8 episódios cada uma, levantando debates sobre Machismo, Racismo, LGBTQIAP+, Etarismo e Capacitismo. O primeiro tema é bastante relevante: o machismo estrutural.
*Vilma Piedade é graduada em Letras pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e pós-graduada em Ciência da Literatura (UFRJ). É professora, escritora, autora do livro Conceito Dororidade (Editora Nós/2017).
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