Após a crescente reação pública ao projeto de lei que equipara o aborto após a 22ª semana de gestação ao homicídio, o governo federal decidiu se posicionar de forma mais firme contra a proposta. Na sexta-feira, os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Marina Silva (Meio Ambiente), Cida Gonçalves (Mulheres) e a primeira-dama Janja da Silva criticaram veementemente o texto, cuja tramitação em regime de urgência foi aprovada recentemente na Câmara dos Deputados.
Contexto do Projeto de Lei
O projeto, de autoria do deputado evangélico Sóstenes Cavalcante (PL-RJ), busca alterar o Código Penal para considerar o aborto após 22 semanas de gestação como homicídio, inclusive em casos de estupro. Na votação simbólica de quarta-feira, a proposta não passou pelas comissões da Casa e seguiu diretamente para apreciação no plenário. O governo e o Partido dos Trabalhadores (PT) optaram por não se envolver diretamente na votação.
Reações do Governo
Embora o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ainda não tenha se manifestado publicamente sobre o projeto, durante sua visita à Suíça, ele indicou que precisava retornar ao Brasil para “tomar pé da situação” antes de comentar. Em contraste, outros membros do governo expressaram claramente sua oposição.
Gleisi Hoffmann, presidente do PT, utilizou as redes sociais para criticar o projeto e a aprovação do regime de urgência. Em sua postagem, Hoffmann destacou a injustiça da proposta: “Além de aplicar uma pena maior para a vítima de estupro que faz aborto do que para o estuprador, impede que uma menina ou mulher estuprada possa fazer aborto após 22 semanas de gravidez. É desumano obrigar uma criança a ser mãe de outra criança, ainda mais quando a gravidez é resultado de violência.”
Alexandre Padilha, ministro das Relações Institucionais, afirmou que o governo atuará para impedir a aprovação do projeto: “Não contem com o governo para mudar a legislação de aborto no país, ainda mais num projeto que estabelece que uma mulher estuprada vai ter uma pena duas vezes maior que o estuprador. Vamos trabalhar para que um projeto como esse não seja votado.”
Reações de Outras Figuras Políticas e Sociais
Marina Silva, ministra do Meio Ambiente e evangélica, criticou o projeto como “altamente desrespeitoso e desumano com as mulheres”. Ela argumentou que equiparar o aborto ao homicídio penaliza de forma desproporcional as vítimas de estupro que, muitas vezes, descobrem a gravidez tardiamente devido ao medo e à vergonha.
Janja da Silva, primeira-dama, também expressou sua oposição nas redes sociais: “O PL 1904/24 quer mudar o Código Penal brasileiro para equiparar o aborto após 22 semanas de gestação ao crime de homicídio, quando a gestação for fruto de estupro, caso em que o aborto é permitido pela lei brasileira. Isso quer dizer que uma mulher estuprada pode ser condenada a uma pena superior à de seu estuprador.”
Repercussão nas Redes Sociais
O debate digital sobre o projeto de lei tem sido dominado por críticas à medida. Um levantamento da consultoria Arquimedes, solicitado pelo jornal O Globo, analisou 2,3 milhões de publicações na plataforma X (antigo Twitter) entre quarta e sexta-feira. Os resultados mostraram que 88% das contas que comentaram o tema se opõem ao projeto.
Oposição e Críticas
A oposição ao projeto de lei não se limita ao governo e às redes sociais. Diversas organizações de direitos humanos e grupos de defesa dos direitos das mulheres se manifestaram contra a proposta, argumentando que ela representa um retrocesso nos direitos reprodutivos e na proteção às vítimas de violência sexual.
Próximos Passos
O governo e os partidos da base, junto com organizações da sociedade civil, estão se mobilizando para impedir que o projeto seja aprovado no plenário. A expectativa é de que debates mais intensos e possivelmente manifestações públicas ocorram nas próximas semanas.
A reação firme do governo e de figuras influentes destaca a gravidade das implicações do projeto de lei que busca equiparar o aborto tardio ao homicídio. Em um país onde o debate sobre o aborto já é altamente polarizado, a proposta levanta questões complexas sobre direitos reprodutivos, justiça e equidade. A discussão continua, e o futuro do projeto dependerá da capacidade do governo e da sociedade civil de mobilizar apoio contra uma medida vista como desumana e injusta.